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Rezar juntos é uma dádiva. Agradeço e saúdo afetuosamente a todos vós, em particular a Sua Santidade meu irmão Bartolomeu, o Patriarca Ecuménico e ao amado Bispo Heinrich, Presidente do Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha.

O trecho da Paixão do Senhor, que escutamos, tem lugar pouco antes da morte de Jesus e fala da tentação que se abate sobre Ele, exausto na cruz. Encontrando-Se no ponto mais alto do sofrimento e do amor, muitos, sem piedade, lançam contra Ele o estribilho: «Salva-Te a Ti mesmo!» (Mc 15, 30). Trata-se duma tentação crucial que ameaça a todos, mesmo a nós cristãos: a tentação de pensar só em defender-se a si mesmo ou ao próprio grupo, ter em mente apenas os próprios problemas e interesses, ao passo que tudo o mais não conta. É um instinto muito humano, mas mau, e constitui o último desafio a Deus crucificado.

Salva-Te a Ti mesmo: os primeiros a dizê-lo são «os que passavam» (15, 29). Eram pessoas comuns, que ouviram Jesus falar e fazer prodígios. Agora dizem-Lhe: «Salva-Te a Ti mesmo, descendo da cruz». Não tinham compaixão, mas desejo de milagres, de O ver descer da cruz. Talvez nós também preferíssemos às vezes um deus espetacular em vez de compassivo, um deus poderoso aos olhos do mundo, que se impõe pela força e desbarata quantos nos querem mal. Mas este não é Deus; é o nosso eu. Quantas vezes queremos um deus à nossa medida, em vez de nos configurarmos nós à medida de Deus; um deus como nós, em vez de nos tornarmos nós como Ele! Mas, desta forma, preferimos o culto do eu à adoração de Deus. É um culto que cresce e se alimenta mediante a indiferença para com o outro. De facto, àqueles que passavam, só lhes interessava Jesus para satisfazer os seus desejos. Mas assim reduzido a um desperdício na cruz, já não lhes interessava. Estava diante dos seus olhos, mas longe do seu coração. A indiferença mantinha-os longe do verdadeiro rosto de Deus.

Salva-Te a Ti mesmo: os segundos a lançar este estribilho, são os príncipes dos sacerdotes e os escribas. Foram os mesmos que condenaram Jesus, porque representava um perigo para eles. Mas todos somos peritos em colocar os outros na cruz, contanto que nos salvemos a nós mesmos. Pelo contrário, Jesus deixa-Se crucificar, para nos ensinar a não descarregar o mal sobre os outros. Aqueles líderes religiosos tomavam precisamente os outros como motivo para O acusar: «Salvou os outros, mas não pode salvar-Se a Si mesmo!» (15, 31). Conheciam Jesus, lembravam-se das curas e libertações por Ele realizadas e fazem uma dedução maliciosa: insinuam que salvar, socorrer os outros não traz bem algum; Ele que tanto Se prodigara pelos outros, perde-Se a Si mesmo! A acusação é feita em tom de escárnio e serve-se de termos religiosos, usando duas vezes o verbo salvar. Mas o «evangelho» do salva-te a ti mesmo não é o Evangelho da salvação. Antes, é o evangelho apócrifo mais falso, que coloca as cruzes aos ombros dos outros. Ao contrário, o Evangelho verdadeiro assume as cruzes dos outros.

Salva-Te a Ti mesmo: por fim, também os crucificados com Jesus se associam ao ambiente de desafio contra Ele. Como é fácil criticar, falar contra, ver o mal nos outros e não em nós mesmos, chegando-se ao ponto de descarregar as culpas sobre os mais fracos e marginalizados! Mas, por que motivo aqueles crucificados atacam Jesus? Porque não os tira da cruz. Dizem-Lhe: «Salva-Te a Ti mesmo e a nós também» (Lc 23, 39). Procuram Jesus somente para resolver os problemas deles. Mas Deus vem não tanto para nos livrar dos problemas, que sempre reaparecem, como sobretudo para nos salvar do verdadeiro problema: a falta de amor. Esta é a causa profunda dos nossos males pessoais, sociais, internacionais, ambientais. Pensar apenas em si mesmo é o pai de todos os males. Mas um dos malfeitores põe-se a observar Jesus, admirando, n’Ele, a amorosa mansidão. E obtém o Paraíso, fazendo apenas uma coisa: deslocando a atenção de si mesmo para Jesus, de si mesmo para Quem estava ao seu lado (cf. 23, 42).

Amados irmãos e irmãs, no Calvário, aconteceu o grande duelo entre Deus que veio salvarnos e o homem que quer salvar-se a si mesmo, entre a fé em Deus e o culto do eu, entre o homem que acusa e Deus que desculpa. E chegou a vitória de Deus; a sua misericórdia desceu sobre o mundo. Da cruz, brotou o perdão, renasceu a fraternidade: «A cruz torna-nos irmãos» (BENTO XVI, Alocução no final da Via-Sacra, 21/III/2008). Os braços de Jesus, abertos na cruz, assinalam uma mudança radical, porque Deus não aponta o dedo contra ninguém, mas abraça a cada um. Pois só o amor apaga o ódio, só o amor vence completamente a injustiça. Só o amor dá espaço ao outro. Só o amor é o caminho para a plena comunhão entre nós.

Peçamos a Deus crucificado a graça de ser mais unidos, mais fraternos. E, quando nos sentirmos tentados a seguir as lógicas do mundo, recordemos as palavras de Jesus: «Quem quiser salvar a sua vida, há de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de Mim e do Evangelho, há de salvá-la» (Mc 8, 35). Aquilo que, aos olhos do homem, é uma perda, para nós é salvação. Aprendamos do Senhor, que nos salvou esvaziando-Se (cf. Flp 2, 7), fazendo-Se outro: de Deus fezSe homem; de espírito, carne; de rei, servo. E convida, também a nós, a «fazer-nos outros», a ir ao encontro dos outros. Quanto mais estivermos agarrados ao Senhor Jesus, tanto mais seremos abertos e «universais», porque nos sentiremos responsáveis pelos outros. E o outro será o caminho para nos salvarmos a nós mesmos: cada um dos outros, cada ser humano, seja qual for a sua história e o seu credo, a começar pelos pobres, os mais parecidos com Jesus. O grande arcebispo de Constantinopla, São João Crisóstomo, escreveu que, «se não tivéssemos os pobres, a nossa salvação estaria em grande parte arruinada» (Sobre a II Carta aos Coríntios, XVII, 2). Que o Senhor nos ajude a caminhar juntos pela senda da fraternidade, para sermos testemunhas credíveis do Deus verdadeiro.